segunda-feira, 4 de maio de 2009
Ordens da empresa
“ Um belo dia resolvi mudar e fazer tudo o que eu queria fazer...” Foi ao som de Rita Lee que acordei hoje. Era meu celular tocando as seis e quarenta da manhã me avisando que dezoito primaveras se completavam pra mim. Na verdade só seriam dezoito mesmo as dez e vinte, mas um certo indivíduo (muito querido por sinal, apesar de tudo) queria que eu tivesse o privilégio de acordar àquela hora da manha no dia do meu aniversário. É lógico que eu desliguei o celular e voltei a dormir. Dormir? Tentar dormir. Porque o cachorro que me adora também queria que eu acordasse cedo, então lá fui eu fazer a vontade daquele que recentemente me fez dois furos no rosto com os dentes. Obrigada, Nebacetin.
Obs: Nebacetin é o nome da pomada que me livrou de cicatrizes, não o nome do cachorro.
Tomei minha aguinha de berinjela (uma das invenções mirabolantes da mamãe), fiz uns exercícios e mais algumas coisas que eu não lembro - já são dezoito anos, minha memória tem direito de falhar. Estava feliz e me preparava para ter um dia legal ao lado dos meus amigos que até me fizeram um bolo. Então “nada vai me estressar hoje”. Ai! Mas que pensamento ingênuo. Para chegar mais rápido ao colégio eu resolvi pegar o trem. Essa palavra te causa um certo pânico? Trem. E agora? Sentiu um arrepio? Pois digo que nem depois de três anos, todos os dias, assiduamente nesse transporte eu deixo de ter uma surpresa. Seja dos colegas de vagão. Dos funcionários educados. Ou o ambiente arejado. Não me acostumo.
Ainda assim estava feliz por estar na estação: “oba, vou pegar o trem e chegar mais rápido...”. Tenho uma mania, recente diria, de tirar fotos de coisas e ambientes meio “nada a ver” ou que ache que precisam ser guardados na memória. Mesmo que seja de um lugar horrível. Mas quando olhar a foto vou lembrar do momento. Puro saudosismo, sei, mas gosto. Então tirei foto das pessoas na fila. Voltando a situação, ao chegar na estação me deparo com uma fila enorme, maior ainda na gratuidade, a qual eu tenho direito com o cartãozinho. A menina da frente, que também tem direito a gratuidade foi barrada: a mulher, transbordando educação, tomou o cartão dela, não lhe deu uma passagem e disse que não podia fazer nada se ela não tinha dinheiro para ir para escola. Então chegou a minha vez. Sem nem olhar para o meu cartão, a moça disse: “seu cartão venceu a validade”
- como, se você nem olhou?
- Venceu. Você vai ter que fazer outro. Ordens da empresa.
- De novo? Eu refiz o meu no final do ano passado? Você não vai me dar uma passagem?
- Não. Ordens da empresa.
E o que é que eu tenho a ver com as ordens da empresa?? Eu trabalho na empresa? Eu só queria ir para escola. “OK” pensei, não ia deixar isso me abalar. Pago a passagem e fica tudo certo. Puxei uma nota de cinqüenta reais. A única que eu tinha, pra pagar uma dívida de trinta e cinco.
- Olha, não tenho troco não.
- E ai?
- Vê aqui do lado. Se ele não tiver a gente não pode dar a passagem.
- Já sei. Ordens da empresa. Ok, você não tem culpa.
E lá fui, encarar outra fila. Só queria chegar mais rápido. Só.
Segundo caixa:
- Não tenho troco.
- E ai?
- Por ordens da empresa eu não posso dar uma passagem pra cinqüenta reais.
E eu me perguntei: Será que se ele fizer isso a empresa vai explodir a cabine dele?
- Poxa vida!! Vocês não aceitam meu cartão, não aceitam que eu pague. E ai? Eu vou ficar sem ir pra escola por causa de vocês??
- Olha eu vou quebrar o seu galho. Mas eu não podia fazer isso por ordens...
-AH! Muito obrigada moço. Desculpa fazer você quebrar as ordens da empresa, mas eu só queria ir pra escola.
Dei uma corridinha. Pra pegar o próximo trem? Não. Fiquei com medo da cabine explodir.
Mais dez minutos de espera até que o trem chegasse. Então avistei na plataforma a menina que estava na minha frente e foi vítima do excesso de educação da funcionária. Ela estava chorando e eu que gosto de dar uma de justiceira fui lá falar com ela. “Você não pode se sentir assim não. Eles são ridículos mesmo, já é a segunda vez que tomam meu cartão...”
Antes que eu continuasse ela interrompeu dizendo que não estava chorando por causa daquilo. E a minha cara? Mas ela foi legal, continuou o assunto e vejam que coincidência: todas as suas histórias de trem eram super parecidas com as minhas e provavelmente de muitas outras pessoas, ou melhor, muitos outros estudantes. E ainda dizem que estudante é tudo vagabundo. Nunca vi vagabundo passar por isso tudo pra estudar. Olha que a gente ainda corre o risco de tomar umas chicotadas por Madureira. Estilo “ A lista de Schindler” mesmo. Apesar de que se jogassem água na gente, quem sabe não ficava mais fresquinho? Até porque tem que estar num dia de sorte pra pegar um trem com ar, né, Santa cruz?
Enfim, fiz uma nova amizade. Depois disso o dia foi ótimo. Ao lado dos amigos, falando besteiras, comendo besteiras, comemorando meu aniversário num estilo assim, bem estudante mesmo.
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BRILHANTE
ResponderExcluirdetalhe: eu deixo um comentário simplese eficaz com uma única palavra de fácil entendimento e o computador me manda em segui da digitar "LEORTEST".
ResponderExcluirLeortest pra vc best!!
bem, se não me engano,algumas palavras no ingles que terminam com est querem dizer o melhor de todos... ou pior de todos...hahahahahah
ResponderExcluirmelhor n tentar entender essas palavrinhas!
mas obrigada, bEST!
aeeeeeeee po vc escreve bem sim ok
ResponderExcluirgostei muito do texto! continue assim bjs
gente eu juro que ri quando voce falou da garota que tava chorando.. vergonha alheia rs
"Dei uma corridinha. Pra pegar o próximo trem? Não. Fiquei com medo da cabine explodir."
ResponderExcluirTa valendo a pena deixar meus livros de lado [não deixei de ama-los, diga-se de passagem (adoro dizer isso)]. Blogs são mais dinâmicos. Sendo a vista de um ponto ou vossa valvula de escape, é sempre bom ler algo assim. De alguma forma, eu vejo vocês. Quase posso ouvir sua voz, como se estivessemos no bloco E antes de uma aula. Ou durante.
Aqueles tempos não voltam. Mas não precisam voltar, porque foram - e são - eternos, afinal cada vez que eu for no balé - ballet, balê, deriva-se do italiano ballare - vou te ver.
Preciso comprar um smoking, ouvi dizer que é traje a rigor. Tudo menos aquele binoculos ridiculo. Já viu que em filme o ator principal nunca assiste da platéia, sempre das cabines vip?